Compor Violas Profanas foi um gesto natural, quase inevitável. O arranjo de Cálix Bento já habitava minha memória e sempre me remetia às folias de reis e aos romeiros de Aparecida do Norte. Essa canção tradicional, de raízes profundas no catolicismo popular, é entoada em cortejos e celebrações religiosas, trazendo consigo a devoção coletiva e a força da tradição oral.

Enquanto esse canto ecoava em mim, a música foi ganhando corpo. Aos poucos, surgiu também uma citação sutil ao Adagio em sol menor, atribuído a Tomaso Albinoni e muito difundido por Remo Giazotto no século XX. Uma peça carregada de melancolia e solenidade, que atravessou séculos e se tornou símbolo de contemplação.

Daí nasceu o diálogo: o profano e o sagrado entrelaçados nas cordas da viola. O canto popular e a herança clássica se encontraram em uma mesma respiração musical.

No estúdio, a ideia inicial era simples: viola e cello. Essa combinação me parecia suficiente para sustentar a atmosfera que eu buscava. Mas, ao final, percebi que ainda havia espaço para outra camada. Então inseri uma segunda linha de viola em arranjos duetados — um recurso muito próprio da viola caipira, que evoca tanto a tradição quanto a ousadia de explorar novas possibilidades.

Quando escuto Violas Profanas, sinto a força das folias e dos romeiros ecoando. Quero que o ouvinte se transporte a esse lugar de memória coletiva, de fé e de estrada, em que o popular se mistura ao erudito.

Na última audição, tive a certeza: a música estava pronta. Forte, tocante, inteira. Um cortejo sonoro que mostra a pluralidade da viola e a riqueza de nossa cultura.

Por Trás da Cortina